Pianistas (nem tão) íntimos

Certa feita, em tempo tão remoto quanto essa expressão, hoje em desuso, um aluno do então professor da Unicamp Rubem Alves foi ter com ele em sua casa. Desejava saber como o mestre havia planejado a sua vida para que tivesse chegado aonde chegou. Rubem notou, então, que seu discípulo o admirava, tinha-o como referência, queria ser como ele. Contudo, respondeu de tal maneira que fez desmoronarem as expectativas do visitante. “Eu estou onde estou porque todos os meus planos deram errado”.

No decorrer de sua trajetória, Rubem percebeu-se obrigado a procurar caminhos não pensados, viu, uma a uma, as pontes que construía ruírem. Lutou para ser pianista. Queria ser como Nelson Freire. Para tanto, trabalhou duro por horas a fio. Não conseguiu, claro. “Pianista bom não precisa fazer força”, diz ele. “É dom de Deus”.

Rubem não se tornou pianista, mas, intelectual polivalente, fenômeno editorial, um dos maiores pedagogos brasileiros de todos os tempos, além de cofundador da Teologia da Libertação. “A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do Nelson era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento.”

A Teologia da Libertação talvez não tenha muitos adeptos entre o elenco de hoje do Fluminense, de muito credos. Mas há trajetórias que se confundem com a de Rubem Alves, como as de jogadores que só estão nas Laranjeiras porque seus planos pessoais deram errado, casos de Gerson (regresso da Itália, mas que já vai sair) e Robert (que acaba de voltar da Espanha).

Também entre os atletas há aqueles que tentam colocar dentro de si um piano que estava fora, e outros tantos que colocam para fora um piano já nascido com eles. Ou alguém duvida de que os meias tricolores Cícero e Gustavo Scarpa não sejam pianistas natos? Quando não lançam mão de sua arte, o Fluminense fica assim, insosso, sem imaginação, composto apenas por aqueles que tentam pôr o piano dentro de si.

Fred hoje é um destes. Tem saído mais da área para cooperar com o esquema de Levir. Contra a Chapecoense, o treinador disse ter sido circunstancial o recuo do atacante, para que não ficasse isolado na frente. Richarlison é aprendiz. Tem o piano dentro de si, ao que parece, mas falta-lhe elegância, pensar o jogo, e seu futebol, por vezes, acaba por se assemelhar ao do pianista esforçado.

Ao notar que o time não se comportava nem como pianista esforçado, mas como preguiçoso, sem ambição, Levir Culpi deveria ter feito outras tentativas, em vez de ter promovido só a substituição de Richarlison, que perdeu um gol feito, por Magno Alves.

Há outra categoria ainda no Flu, além das descritas por Rubem Alves – a de carregador de piano, representado por Edson, embora Douglas, mais técnico, o acompanhe nesta função. Foi um dos campeões de desarmes, facilitando o trabalho da defesa, que não chegou a sofrer.

Mesmo sendo Atlético-MG e Chapecoense adversários geralmente com ótimos aproveitamentos em seus campos, pela pouca inspiração dos mandantes, o segundo empate fora de casa deixou a sensação de que a excursão tricolor poderia ter sido bem mais proveitosa.

A Rubens Alves escritor, nunca faltou ambição, pecado fatal de quem perde o foco e não se concentra em seu objetivo final.

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Pianistas 2

O torcedor tricolor que, ao fim de Chapecoense x Fluminense, se atreveu a assistir ainda a Brasil x Equador, pela Copa América Centenário, amargou mais um 0 a 0 de poucas emoções. Ao todo, foram 180 minutos sem um só gol na noite de sábado, embora, em duas ocasiões, as bolas tivessem entrado, com Cícero e Alisson (contra). Em ambas, porém, os bandeiras salvaram o time catarinense e a Seleção Brasileira, ao assinalarem, respectivamente, impedimento e saída pela linha de fundo – neste, um erro grosseiro.

***

Rubem Alves faleceu a 19 de julho de 2014. Por coincidência, foi neste dia que morreu o único peixe de que cuidei na vida, um beta. Foi deixado em minha casa por meu irmão, que viajaria com a família. Gustavo o ganhou numa destas festinhas de criança cujos temas trazem seres infantis do mar.

Um absurdo que “coisifiquem” um ser vivo pleno, tirando-o de seu habitat, para dá-lo a crianças, como se um brinde fosse!

Quantos pais, em casos assim, não devem se livrar dos peixinhos na primeira oportunidade, já que o recebem num pequeno saco plástico com água, dependendo, naturalmente, da aquisição de um aquário para conservá-lo em casa. Se não o fazem, descartam-no, ainda no asfalto ou no vaso sanitário, sabe-se lá.

“Deus criou os pássaros; e os homens, as gaiolas”, dizia Rubem Alves. No caso dos peixes, os aquários, o cativeiro dos peixinhos “sobreviventes” – alguns, minúsculos, sem espaço até para que movam suas nadadeiras ou barbatanas.

beta2

Godofredo viveu por quase um ano mais, depois que chegou à minha casa. Pedi ao Gustavo que o deixasse de vez. Meu irmão se ausentaria da cidade outras vezes, e achei que o peixinho estaria mais bem assistido comigo.

Sempre que o alimentava, observava-o. E me entristecia. (“Para haver compaixão, é preciso estar triste. Porque compaixão é sentir a tristeza de um outro.”) Gustavo colocara pedras e um túnel de madeira no aquário para simular o fundo do mar, numa tentativa de deixar sua “casa” minimamente acolhedora. Mas qual o quê. A solidão e o sofrimento de Godofredo eram indescritíveis. Jamais experienciaria a amplitude e a intensidade de um lago natural. Estava condenado a viver para sempre entre quatro paredes de vidro.

Quando morreu, finalmente experimentou a liberdade. Lembro de ter acariciado suas escamas e reparado como nunca antes em quanto era bonito. Mas sua beleza pertencia à Natureza – não a mim ou a qualquer dos homens. Enterrei-o com dignidade num vaso de plantas de minha varanda. Não sem antes mentalizar uma oração em sua homenagem.

Godofredo foi o primeiro peixe de minha vida. E o último também.

Desde então, quando quero encontrar outros Godofredos, vou a um lago natural. E percebo-os ainda mais belos. Estão felizes!

Agora, mesmo sem ter nenhum, tenho todos os peixes do mundo.

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394 thoughts on “Pianistas (nem tão) íntimos

  1. Ben Arfa seria o jogador ideal para vestir a camisa 10 do Fluminense. Ele joga muito! É técnico, raçudo e veloz. Se vier jogar no falido futebol brasileiro, vai destruir, tenham certeza disso. Lembro dele quando jogava no Lyon e no Olympique de Marseille. Até hoje não entendi por qual motivo nenhum clube gigante da Europa o contratou.

  2. Chororo no GE

    “Na tormenta e na bonança, Fred foi ídolo. O maior da história tricolor
    Casamento do capitão com o Fluminense chega ao fim e a diretoria é a responsável”
    por Raphael Sobral.

    xx

    *O artigo em questão não traduz, necessariamente, a opinião do GloboEsporte.com; é de responsabilidade de seu autor.”

    xx

    a observação que o GE coloca ao final do texto NUNCA FOI TÃO ADEQUADA.

    e se eu fosse mudar o titulo da materia com certeza seria – O ultimo Jabá

  3. http://www.netflu.com.br/alfio-basile-detona-crise-de-talentos-do-brasil-e-cita-fred-com-ironia/

    “– O futebol brasileiro hoje é o pior de sua história. Antes, você tinha alguns caras que nos davam um baile impressionante em campo. A técnica que o jogador brasileiro perdeu é incrível. Tecnicamente, eles sempre nos superaram. E, agora, os vejo jogar e vejo a falta de jogadores no meio-campo, na defesa e no ataque. Na Copa de 2014 jogou o Fred com a camisa 9 – disse o técnico, sem explicar se era contra ou a favor da presença do jogador.”

    Está certíssimo. Se um gringo reconhece isso, nem é preciso dizer mais nada…

  4. Se há algo que precisa ser respeitado por todo cidadão, sem exceção é O LUTO !

    Assim sendo, sugiro TRÊS DIAS para que todos lamentem a perda, o luto, a viuvez.

    Mas, pelo amor de Deus, decorrido este prazo vamos virar esta página e esquecer o Fred ???

    Chega, não acham ? Já deu !

    1. Luto? Por quem já está todo serelepe para cima das galinhas dizendo: aqui é galo?

      Não fiquei, não fico e nem ficarei nem 1 minuto sequer!

      Jogador ama mesmo é o dinheiro que ganha do clube, este, pare ele, é só um pequeno detalhe!

      Eu virei a página Fred desde ontem! Já deu mesmo, caro Amaury!

      Vamos falar daqui para frente dos nossos jogadores, mesmo porque, o futuro é o que interessa!

      Quem vive de passado é museu!

      ST

      1. Também fiz o mesmo, Jota. Assino o que v. disse.
        Fim de um período de profissionalismo em que uma das partes – e apenas ela – cumpriu com todas as obrigações assumidas ao resgatar o atleta do limbo em que se encontrava na França; e apenas parcialmente cumprida por aquele a quem o clube jogou a boia (E NÃO A BOLA), ao fazer muitas coisas boas – pelas quais foi regiamente pago – e muitas coisas más, as quais não faziam parte de uma relação profissional séria, bem intencionada e honesta.

        Sem romantismo, … já era ! Já deu !

        Guardo muito mais respeito por outros que estiveram conosco, como Castilho, Pinheiro, Branco, Marco Antonio, Samarone, Lula, Flavio, Waldo, Didi, Romerito, Washington, Assis, Conca, etc.

        Numero de gols feitos – em sí – devem ser lembrados com a consciência de que OS OUTROS do time trabalharam para que eles – os gols – acontecessem. À exceção de Pelé, claro, que foi o único que obrava do inicio ao fim, tudo.

        Concluindo, parceiro, não estou de luto !
        Mas respeito aqueles que queiram chorar o velório, passar diante do defunto deixando-lhe o derradeiro adeus.
        O prazo de luto (deles) termina na segunda-feira, penso eu.

  5. Pessoal, vamos dar um basta no assunto Fred. Pois, não mais nos pertence. Melhor cuidar da nossa vida. A começar pelo Levir, que precisa colocar o nosso time em campo tal como, já está fazendo o Cuca no Palmeiras. Sobre pena de fracassarmos e virarmos piada nacional. ST

  6. Caros,

    Rica Perrone já matou a charada também. Peter sem dinheiro, porque ainda não conseguiu arrumar um patrocínio, veio atrasando o salário do Fred e foi empurrando ele para fora do clube aos pouquinhos. Desfez-se de um ídolo histórico, inclusive da torcida mirim, e que dava mídia para marca para economizar. Gênio Administrativo! Vamos ver quem a DryWorld vai privilegiar agora! Se nós ou o Atlético. Lógico que ainda tinha o componente político e simbólico de ser o último grande jogador adquirido pela UNIMED, e também serviu de um gesto para agradar os “Empresários de Banco Imobiliário” e os “Senhores de Engenho” que habitam o “Club”, e que no seu esnobismo detestam jogadores que são menos subservientes.

    Não dá para não ficar p… e irritado com o dissimulado Peter, mas também temos que virar a página, só que Richarlison ( 10 milhões, não foi?) ainda não disse ao que veio – tem só 19 anos – e se continuar sentindo o peso da camisa pode se complicar e ser queimado. Já Maranhão, com 3 gols e 63 jogos, bem.. só me resta torcer para que surpreenda muito.

    Porém, o quadro é o mesmo da saída de Muricy em 2011 em meio a uma Libertadores jogada fora, e da vinda frustrante do Dentuço ano passado: tudo pode também degringolar no futebol, justo na hora em que poderíamos sonhar com um salto na tabela.

    Obrigado, Peter!

    SDs Tricolores. #foratemer #forapeter

  7. Eu li um debate entre alguns participantes do Blogue, sobre jogadores novos entrarem no time titular. O Santos fez um amistoso aqui no Maracanã, não sei qual foi o adversário, deve ter sido contra o Vasco. Ele tinha quinze anos, isso em 1952. Logo em seguida ao jogo do Santos, a seleção brasileira fez um amistoso contra a seleção da Argentina, o Pelé foi convocado. O jogo estava 1 a 0 para a Argentina quando o Pelé entrou na partida, deve ter sido no segundo tempo. Final do amistoso no Maracanã: 1 a 1 com gol de Pelé. O Pedro fez cinco gols em uma partida. Não importa se é sub-15, sub-17, sub-20 ou no profissional, fazer cinco gols em uma partida não é para qualquer jogador. No meu time ele seria titular. Agora eu faço uma pergunta: O Pelé estava pronto ou tinha talento? Ou tinha talento porque estava pronto? Não existe essa, se tem talento tem que ser aproveitado. Já nasceu pronto, não importa a idade.
    Saudações Tricolores.

    1. Caramba!, Franco, não mistura o Pelé assim com qualquer um.
      Ele já nasceu pronto, e, nessa idade, já encarou a seleção Argentina daqueles tempos.
      Pedro é o Pedro.
      xxxxxxxxxxxx

    2. Juarez, esquece o Fred. Vira a página. Se liga no nosso time, precisamos jogar bem. A última vez que jogamos bem e vencemos foi contra o Cruzeiro em BH, detalhe o técnico era o EB e não o Levir. Aliás, esse trouxe apenas sorte e está devendo.

    3. Não estou comparando a qualidade de um jogador com a do outro, apenas tentando dizer que mesmo se fosse um Pelé hoje, não seria titular de um time e nunca de uma seleção brasileira. Porque a cultura que é empregada em relação a idade para aproveitamento de jogadores jovens é mais arcaica que a de antigamente. O Pedro é o artilheiro da Base brasileira. Tem talento. Coloquem o cara para jogar, disputar posição ou pelos preceitos aplicado no futebol, vai ficar treinando até os vinte dois, vinte três anos para estar pronto. Eu sei que é subjetivo, mas é a minha opinião.
      Abraços Tricolores.

  8. Caro Guilherme, por essa vc não esperava – fonte espn
    O presidente do Atlético-MG, Daniel Nepomuceno, anunciou na noite desta quarta-feira em sua conta no Twitter a contratação do centroavante Fred, ex-Fluminense. O Tricolor também confirma a saída do ídolo da torcida e, na tarde desta quinta-feira, o presidente Peter Siemsen e o diretor executivo de futebol, Jorge Macedo, concederão entrevista nas Laranjeiras.

    O jogador vai se transferir em definitivo mediante pagamento de US$ 1 milhão (cerca de R$ 3,3 milhões) por parte do time mineiro. Enquanto no Rio Fred recebia R$ 800 mil mensais de salário, no Atlético-MG ele ganhará R$ 1 milhão por mês.

  9. Sobre o papo rancoroso e ultrapassado de que Fred não fez nada de positivo no Flu, de 2010 até agora, qual foi o jogador que esteve lá junto com ele nesse tempo que fez alguma maravilha, que foi destaque durante bom tempo, que fez mais gols que ele?
    Bolas, o plantel do Flu, mesmo tendo feito uma brilhante participação na LA de 2008, quando perdeu para a altitude infame, desde aquela época já era esculhambado pelos “críticos construtivos”, e isso veio até os dias de hoje, permanece, e não se sabe até onde irá.
    hhhhhhhhhhhhhhh

  10. Perguntas que não querem calar.
    Quem será o novo titular da 9?
    Falta muito para o Pedro ter uma oportunidade no time de cima?
    Como será a forma de o time jogar sem a “refrederencia”?
    Será que o Levir Culpa escalará o bosta do Oswaldo de novo? Ou será o Marcos Anão de Jardim Jr?

    1. Querido Pedrinho do Rio, depois de conseguir a proeza de se livrar de “El Cone”, certamente o tricolor das laranjadas vai com tudo pra ter seu sonho de consumo…Riascos! Anota ai em sua agenda grená! C.R.V.G

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