A história de um duelo sem história

Fluminense x Vitória sempre me pareceu um confronto desinteressante, tedioso. Não sei explicar ao meu leitor a razão. Talvez porque o clube baiano não desperte nada em mim, não me comunique nada, com todo o respeito à sua camisa e aos seus torcedores. Talvez também pela falta de rivalidade, jogos decisivos entre as equipes.

Basta ver que apenas um confronto entre Flu x Vitória, entre todos os que assisti, ficou privilegiadamente arquivado em minha memória. Eu era ainda garoto, foi em 1991. Depois de perder no último minuto um Fla-Flu em que o zagueiro Válber quis fazer embaixadinhas dentro da área, o Fluminense só teria chance de se classificar às semifinais daquela edição do Campeonato Brasileiro se vencesse pelo menos cinco de suas últimas sete partidas. Era algo remoto, muito improvável. Na cabine de transmissão da Rádio Globo, o radialista Washington Rodrigues já sepultava qualquer pretensão de vaga ao Tricolor. “Para mim, o Fluminense já dançou nessa”.

Formado por jogadores como Pires, Julinho, Renato (Carioca), Bobô e Ézio, o Fluminense ainda empataria fora com o Atlético-MG e perderia em São Paulo para o Corinthians antes de engatar uma sequência de quatro vitórias, uma delas, contra o Botafogo, que perdeu na Justiça os pontos de um jogo interrompido nas Laranjeiras depois que a torcida alvinegra, em ato de vandalismo, derrubou o alambrado do estádio.

O Flu chegou à última rodada entre os quatro primeiros e precisava ganhar do Vitória em Salvador para se manter no bloco de times que avançariam às semifinais. O confronto também era decisivo para os baianos, que precisavam dos pontos para escapar do rebaixamento.

Intimamente, confiava na reação tricolor, estava ansioso e na expectativa da concretização daquela arrancada. Na noite da véspera da partida, porém, sonhara que o Flu fora derrotado por 2 a 1, de virada.

Mas em campo, num fim de tarde de domingo, Pires e Ézio deram as cores tricolores ao Barradão: 2 a 1. O placar do sonho. Mas a favor do Flu. E de virada. Na comemoração entusiasmada, o zagueiro Alexandre Torres, hoje gerente de futebol do clube, chorando muito, abraçou seu pai, Carlos Alberto Torres, falecido este ano.

Flu na semifinal. No dia seguinte, o jornal O Globo estampava sua manchete já projetando o adversário da fase eliminatória: “Bragantino não assusta”. Mas isso aí já é outra história.

Dois mil e dezessete. Aquele menino de 12 anos agora é um pai de família, já bate à porta dos 40 e, depois de chegar de um passeio com sua filha e esposa, se vê sentado ante a TV, sem entusiasmo, para mais um Vitória x Fluminense, também no Barradão, mas em circunstâncias um tanto quanto diferentes.

Jogo modorrento com o Vitória ocupando mais o campo do Fluminense quando recebo uma mensagem de meu irmão, Gustavo, num grupo de WhatsApp em que só estamos nós e meu pai, todos tricolores: “Alguém aí se lembra quando foi a última defesa de um goleiro adversário nosso?”.

Na veia. Dureza constatar que havia sido uma de Victor, do Galo, havia três partidas.

Mais dureza ainda foi ver Wellington Silva errar na saída de bola e ver o complemento da jogada acabar com um chute de Neilton no fundo da rede, aos 45, numa bola em que o zagueiro Renato Chaves não alcançou.

Primeiro tempo tétrico, Gustavo Scarpa nulo, Douglas retornando, time sem imaginação… Só sendo muito guerreiro para seguir resistindo àquele certame.

Mas fui. Até porque o time melhorou com a saída de Scarpa e a entrada de Sornoza.

O gol veio logo. Numa cobrança de lateral, Lucas arremessou para Henrique Dourado, que cortou o marcador e chutou sobre Fernando Miguel, que até conserva certa semelhança com Alisson, da Seleção. Wendel pegou o rebote e colocou o Flu de vez no jogo.

O gol oriundo de uma cobrança de lateral se deu justamente numa semana em que a TV Globo exibiu uma matéria no CT do Flu que apontava para a utilização de bolas bem mais pesadas em arremessos laterais em treinos como forma de aprimorar o fundamento, usado como arma.

Arma que anda faltando ao Flu, como as escapadas de Richarlison, negociado com o futebol inglês. Dourado tem sofrido com sua ausência.

Sem seu principal garçom, embora lute muito, e prossiga como artilheiro (13), o Ceifador passa boa parte do jogo pedindo ou brigando com a bola.

Mas seu golaço da semana já havia sido marcado quando atendeu a um pedido de um menino portador de neurofibromatose, Daniel (11), que tinha o sonho de conhecer o atacante e disputar uma partida de videogame com ele.

Henrique foi ao hospital, realizou o sonho do garoto, bateu fotos, levou carinho, distribuiu sorrisos e ainda agradeceu pela oportunidade, que disse ser dos céus. “Fui abençoado de poder levar um pouco de conforto ao Dani, um menino guerreiro, e seus pais. Tive uma lição esta tarde”. Antes de sair, prometeu que a ceifada seguinte seria dedicada a ele.

Como é de palavra, Dourado marcou no Barradão, se isolou na artilharia e no coração de Dani, de onde certamente nunca mais sairá.

Não que o Flu merecesse. O Vitória apertava, dava uma blitz daquelas, quando Wellington Silva sofreu o pênalti já no fim da partida. Muito em função da estupenda estreia de Robinho, expulso com menos de um minuto em campo depois de dar um pisão inconsequente em um adversário.

As já conhecidas falhas da defesa tricolor, porém, custaram a vitória que ao Flu nunca parece certa, surrupiada aos 49, pela enésima vez.

O time que não sobe nem sai de cima do telhado completou três meses sem perder fora de casa, uma marca expressiva, sem dúvida, não fosse o tanto de empates que o deixam numa espécie de zona intermediária da competição.

Embora todos os olhos estejam voltadas para a tinhosa LDU, de quem os tricolores jamais esquecem.

Quinta agora, às 19h15, o Maracanã estará fervendo para este confronto de oitavas da Copa Sul-Americana.

Ao contrário de Flu x Vitória, duelo que sobra história.

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